Homologação Nhapecan

 
 


A homologação de aeronaves e o caso Nhapecan

 
 
 

 

O mito da homologação de aeronaves não existe somente no Brasil: todo fabricante de aviões, em qualquer país do mundo, tem que enfrentar os rigores desse processo, seja ele a Piper, Cessna, Boeing, Embraer ou... a IPE paranaense, com seu planador Nhapecan.
Por Fernando de Almeida

Revista Flap Internacional n-°178 ano 25
1-° Quinzena Novembro de 1986


O que distingue fundamentalmente um avião experimental de um avião construído em série são os critérios de homologação desse último, cuja aplicação obrigatória resulta numa aeronave mais fácil de voar, mais tolerante para com os erros de pilotagem, mais confiável estruturalmente e decididamente mais segura, portanto. A homologação garante também uma aeronave fabricada segundo critérios estritos de controle de qualidade, utilizando matéria-prima e componentes de confiabilidade aeronáutica. Daí o rigor de um processo de homologação, qualquer que seja o país responsável pelo órgão homologador. A finalidade última de tudo isso é preservar a integridade e segurança de quem voa e de todas as pessoas direta ou indiretamente afetadas pela máquina voadora. Basta calcular a energia cinética de uma aeronave em vôo (1/2 mv2) — um Boeing-737, por exemplo — para se ter uma idéia do poder de destruição dessa maquina, se estiver fora de controle!

 
 

O que distingue fundamentalmente um avião experimental de um avião construído em série são os critérios de homologação desse último, cuja aplicação obrigatória resulta numa aeronave mais fácil de voar, mais tolerante para com os erros de pilotagem, mais confiável estruturalmente e decididamente mais segura, portanto. A homologação garante também uma aeronave fabricada segundo critérios estritos de controle de qualidade, utilizando matéria-prima e componentes de confiabilidade aeronáutica. Daí o rigor de um processo de homologação, qualquer que seja o país responsável pelo órgão homologador. A finalidade última de tudo isso é preservar a integridade e segurança de quem voa e de todas as pessoas direta ou indiretamente afetadas pela máquina voadora. Basta calcular a energia cinética de uma aeronave em vôo (1/2 mv2) — um Boeing-737, por exemplo — para se ter uma idéia do poder de destruição dessa maquina, se estiver fora de controle!

O IFI — Instituto de Fomento Industrial, subordinado ao CTA, é o órgão oficial ao qual está subordinada a atividade de homologação no Brasil. O breve histórico que apresentamos a seguir é um extrato de matéria preparada pelo Diretor do IFI, Cel. Av. Euro Campos Duncan Rodrigues, abordando a homologação aeronáutica em nosso país. Escreve o Cel.Duncan:

As atividades de homologação no Brasil, abrangendo o projeto e construção de produtos aeronáuticos, começaram na década de 50. Nesta mesma época a responsabilidade de homologação passou da Diretoria do Material da Aeronáutica para o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em S.J. dos Campos. No início da década de 60 essas atividades foram institucionalizadas com a criação da Divisão de Aeronáutica do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD) do CTA.
Os primeiros aviões nacionais homologados pelo IPD foram o Casmuniz 5-2; o Neiva P-56; o Omareal W-141 e algumas aeronaves do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo.
Os requisitos adotados foram os mesmos em uso pela “Federal Aviation Administration” (FAA) dos Estados Unidos, visto a maior experiência daquele país neste tipo de atividade. Essa adoção mostrou-se bastante feliz pois, apesar de ser o maior produtor mundial de aeronaves, os Estados Unidos constituem-se também no maior mercado. Considerando que a homologação é condição essencial para a entrada em operação de uma aeronave, fica evidenciada a felicidade da adoção dos requisitos norte-americanos, os quais facilitam a aceitação de nossos produtos naquele país e na maioria dos países do mundo ocidental.”

“Devido aos altos custos inerentes aos processos de homologação, e a fim de não tolher as iniciativas de projeto e construção de aeronaves por amadores, a legislação permite que as aeronaves construídas por estes, sejam operadas como “experimentais” (Prefixo PP-Z—), categoria na qual estão incluídas todas aquelas não homologadas e para as quais pouco foi exigido de comprovação de projeto, porém tendo algumas inspeções realizadas “in loco” pelo CTA-IFI durante a construção. Normalmente as inspeções junto ao construtor vêm a ter mais um caráter de assessoria do que realmente de fiscalização. Para que essas aeronaves sejam autorizadas a voar, é emitido então um Certificado de Autorização de Vôo Experimental (CAV), documento este que, por razões óbvias, limita a operação de aeronaves para recreio ou experiência (protótipos), restringe sua operação a poucas pessoas (normalmente os fabricantes), além de exigir destes o comprometimento de assumir os riscos de sua operação, bem como de não produzi-la em série (só comercializá-la, se for o caso, uma vez por ano e não fabricar mais de três modelos iguais num período de cinco anos). No Brasil existem hoje mais de trezentas aeronaves experimentais nos mais diversos estágios de fabricação ou já em operação.”

Essa fase da homologação é provavelmente a mais importante do processo, pois envolve a avaliação da máquina em operação. Aí entra às vezes uma certa dose de subjetividade: é que pilotos diferentes podem sentir um avião de maneira diferente (embora busque-se a padronização nas avaliações), quando itens ligados à qualidade de vôo estão sendo analisados.
É um trabalho altamente especializado, que envolve basicamente os seguintes pontos:

1- Avaliação da Qualidade de Vôo (estabilidade e controle)
2- Verificação de desempenho
3- Estol e Parafusos
4- Pesquisa de “flutter em vôo”.
5- Avaliação de sistemas (elétrico, hidráulico, alimentação, navegação)
6- A avaliação de cabina Quando realizados no CTA, os ensaios em vôo geram uma imensa quantidade de parâmetros registrados por sensores instalados no avião, transmitidos por telemetria para uma estação computadorizada no solo. Os registros são então analisados e interpretados por uma equipe de engenheiros especializados.

O planador de instrução IPE-02b ou Nhapecan-II passou por longo e rigoroso processo de homologação no IFI-CTA, a fim de satisfazer aos Requisitos Brasileiros de Homologação de Planadores norma baseada na JAR-22 européia, e assim poder enfrentar qualquer mercado, doméstico ou de exportação. Com a falta de recursos do fabricante (IPE) para realizar todos os cálculos e os ensaios estáticos e dinâmicos requeridos, diante da importância capital desse novo planador para o volovelismo brasileiro, decidiu o CTA assumir todo o processo de homologação. Um histórico desse processo, do ponto de vista da PEV (Div. de Ensaios e Vôo), nos foi confiado pelo Cap. Av. Ronaldo Rui Lobo Cesar, assistente (O.S.V.) do Maj. Av. Gilmar Barbosa Nunes, chefe da Div. de Ensaios em Vôo do IPD-CTA.

Fala Rui Lobo: “Após apresentada ao CTA, a proposta de homologação do Nhapecan-II, aquele Centro iniciou seu trabalho pela análise técnica do projeto e portanto, solicitou os desenhos necessários (parcialmente recebidos em março de 84). Contudo, como faltassem desenhos da IPE tecnicamente mais elaborados, atacou-se o passo seguinte, não sem que aquele fato provocasse um certo atraso em todo processo. Para que o planador fosse homologado, também a empresa fabricante precisaria estar homologada para construção de aeronaves. O Ministério da Aeronáutica, reconhecendo o potencial da IPE, iniciou paralelamente um programa de apoio à empresa no aspecto de controle de qualidade, alicerce para o futuro de qualquer empreendimento no ramo aeronáutico. Sob orientação dos técnicos do CTA, iniciaram-se os trabalhos para homologação da empresa, enquanto o planador, já com três experimentais (protótipos) construídos, fosse submetido a ensaios de resistência estrutural e em vôo. Para isso, o M. Aeronáutica comprou um protótipo para testes estruturais destrutivos e um protótipo para ensaios em vôo. Foram também comprados mais 15 planadores de pré-série, que, utilizados pela AFA em Pirassununga, garantiriam a sobrevivência da IPE enquanto o projeto passava pelo processo de homologação. Esse processo por sua vez seria bem mais simples se o fabricante apresentasse os resultados de todos os ensaios realizados durante o desenvolvimento da aeronave. Contudo, a empresa não dispunha de recursos, experiência, preparo e conhecimento suficientes para realizar a enorme quantidade de ensaios estruturais e ensaios em vôo previstos pelas NBHP. Assim, o CTA assumiu a posição de fabricante e decidiu realizar os ensaios de desenvolvimento juntamente com os ensaios de homologação.

Com base na previsão feita pela PEV, tentou-se estipular prazos para a conclusão do processo de homologação, já que os ensaios em vôo constituem a última e decisiva parte de todo o processo de homologação. Todavia tudo pode dar certo e ir rápido, em ensaios de vôo, se as condições meteorológicas forem sempre favoráveis, se os equipamentos sofisticados empregados nunca falharem, se as aeronaves envolvidas para reboque (no caso de planadores) estiverem sempre disponíveis e, finalmente, se o projeto for perfeito e não requerer qualquer modificação para prosseguimento dos ensaios. Até hoje, não se conhece projeto que não tenha sofrido qualquer modificação ou limitação durante o processo.
A meteorologia em São José dos Campos nem sempre favorece os ensaios e ainda a Divisão de Ensaios em Vôo não dispõe de aeronave rebocadora. Assim, após terem sido iniciados os preparativos, mesmo que tudo ficasse pronto para dar início aos ensaios em vôo, faltaria o rebocador. O CTA contou então com o apoio da Embraer, que colocou à disposição do programa um IPANEMA por intervalos periódicos durante a campanha. Surge aqui um novo problema: — nos intervalos em que não se tivesse o IPANEMA da Embraer disponível, os ensaios seriam interrompidos. Uma solicitação de apoio ao DAC não surtiu resultado positivo uma vez que aquele departamento não dispunha de rebocador com capacidade para reboque às grandes altitudes exigidas durante os ensaios. A Academia da Força Aérea socorreu enviando ao CTA um de seus Ipanema por determinados períodos, durante semanas aleatórias, conforme suas possibilidades. Contudo, devido às suas necessidades de atender ao CVV da AFA, ou à baixa disponibilidade, esse recurso teve que ser descartado após alguns meses. Para que o programa não sofresse maiores atrasos, a Divisão de Ensaios em Vôo desenvolveu e ensaiou para certificação, sistemas de reboque de planador em duas aeronaves diferentes.

Foram utilizadas as aeronaves Tangani (T-17) e um Tucano (T-27), este ultiimo para reboque àquelas altitudes necessárias para ensaios de “flutter” e parafuso, onde as outras aeronaves não conseguiriam ir ou se o fizessem, o tempo necessário seria tal que tomaria muito desgastante para as tripulações de ensaio. Em alguns vôos de ensaio de parafuso, chegou-se a fazer até 20 parafusos numa única sortida e por vezes eram realizadas até cinco sortidas diárias, o que tornava extremamente desgastante para o piloto e pessoal envolvido e seria muito mais se o tempo necessário para atingir a altitude de início fosse demasiado longo. As soluções para reboque foram caras, pois uma hora de T-27 é extremamente dispendiosa, bem como a do protótipo T- 17, sem falar nos Ipanema e nos oficiais da FAB que ficavam à disposição durante o apoio dado pela AFA.
Ao todo, perto de 50 horas de T-27 foram necessárias, mais 60 de T- 17 e em tomo de 70 com os Ipanema.

“Desde o início o Nhapecan mostrou-se um bom planador, confortável, dócil, porém como todo protótipo, não era perfeito e modificações foram sendo impostas. Frustrando esse fato, para satisfazer requisitos de controlabilidade e estabilidade longitudinais, a incidência do estabilizador horizontal teve que ser modificada em 1°. Para diminuir os riscos de “flutter” durante os ensaios, o profundor teve que ser balanceado através de “HORNS” com massas de balanceamento em suas extremidades, o que de certa forma sacrificou o planador, pois, essa solução, além de aumentar o peso da aeronave, contribuiu para o recuo do CG. Novamente, prosseguindo em sua ação de apoio à IPE, o Ministério da Aeronáutica colocou à disposição uma equipe de engenheiros da Divisão de Aeronáutica do CTA, que estudou e propôs soluções para o projeto na área de aeroelasticidade. A aeronave tornou-se isenta, com um real fator de segurança, de fenômenos estruturais que poderiam provocar sua desintegração em vôo. Todas as aeronaves de série deverão incorporar essa modificação.”

“Apenas como informação ilustrativa, o “flutter” é um fenômeno que pode ocorrer com qualquer aeronave, desde que não se conheça a região de emprego na qual sua ocorrência é mais propícia. Quando presente, o “flutter” pode levar à desagregação estrutural da aeronave, que corre o risco de se desintegrar em vôo.
Basicamente refere-se a vibrações estruturais que podem ocorrer isoladamente ou acopladas com outras em diferentes partes da aeronave.
Para iniciar ensaios de tal risco, o piloto precisa se precaver e não pode ter dúvidas de que, se necessário for a decisão de abandono, conseguirá fazê-lo em tempo hábil. Apesar de ter sido feita uma modificação anteriormente exigida no sistema de alojamento do canopi, várias vezes o sistema emperrou antes da decolagem, quando o mesmo era sempre testado, tendo provocado vários atrasos. A Divisão de Ensaios em Vôo, improvisou uma solução “imediatista”, que devidamente trabalhada posteriormente, permitirá ao fabricante incorporar novas melhorias exigidas pelo órgão homologador.”

“O planador passou muito bem pelas fases de ensaios de “qualidade de vôo” envolvendo estabilidade nos três eixos, estática e dinâmica, tendo apresentado o primeiro problema na fase do estol. Os estóis feitos durante os ensaios são bem diferentes, em técnica e procedimentos, daqueles executados durante o treinamento de pilotos. Os ensaios prevêm uma grande variação de situações e de habilidades dos pilotos que voarão a aeronave no futuro. Graças a um bom desempenho em descida, justificado por uma “finesse” elogiável (finesse diz respeito ao compromisso entre arrasto e sustentação), a aeronave estola sem dar ao piloto qualquer aviso da aproximação do estol. O comportamento da aeronave durante um estol normal é bastante saudável, não há tendência a perda de controle inesperada e a recuperação é possível com facilidade e pouca perda de altitude. Há contudo, um requisito de homologação que exige da aeronave, um aviso de aproximação do estol a uma determinada porcentagem da velocidade de estol.”

“Embora a proposta de homologação seja para a categoria normal, a aeronave deve, por segurança, ser capaz de fazer e recuperar de parafusos não intencionais de uma volta. O comportamento da aeronave durante parafusos normais é bom e a recuperação fácil, com relativamente pouca perda de altitude. Porém quando se associa parafusos agravados ao recuo de CG, a aeronave começa a apresentar características indesejáveis e portanto, para que essas características permaneçam dentro do aceitável, o passeio do CG foi limitado, tendo ficado aquém do proposto originalmente. Ao todo foram executados 220 parafusos, suficientes para determinar as limitações e técnica de recuperação necessárias. (N.R. O “passeio de CG” original, de 18 por cento a 33 por cento da Corda Média Aerodinâmica, foi limitado para 18 por cento a 28 por cento CMA, pela adição de lastro de balanceamento).
A categoria de utilização da aeronave não permite a execução intencional de parafusos mas os cuidados neste aspecto, são reservados para os parafusos acidentais, quando o piloto é surpreendido pela perda de controle. Com a ausência de um aviso natural, a aproximação de velocidade de estol não é denunciada e uma perda de controle pode ser agravada pela entrada em parafuso. Essa situação seria de conseqüências fatais a baixa altura, principalmente por destinar-se o planador à instrução, quando a experiência dos alunos é ainda pouca. Um aviso artificial da aproximação do estol é exigida pelos requisitos de homologação para esses casos. O Nhapecan cumprirá este item, tornando-se uma ferramenta segura para instrução aérea. Muitos planadores não possuem avisos artificiais da aproximação do estol, pois apresentam vibrações naturais fazendo esta tarefa (o buffeting).”

O PP-ZBN esperava por nós, sobre a grama que ladeia a pista de táxi, bem próximo da interseção. Eu já havia examinada a máquina no hangar X-30, dias antes de nosso teste: tratava-se de um autêntico protótipo, de acabamento primitivo e com alterações fundamentais ditadas pelos primeiros ensaios de homologação. Os profundores, por exemplo, já estavam balanceados por ‘horns” e a incidência do estabilizador horizontal havia sido alterada. Embutidos em vários pontos da empenagem e junto dos ailerons, via-se um bom número de células de carga e de acelerômetros e vestígios dos sensores de deflexão dos comandos, estando ainda instalada no planador (logo atrás da roda principal do trem de pouso) a unidade transmissora de dados por telemetria. Fora essas características evidentes de máquina-protótipo, o PP-ZBN não se diferenciava muito do Nhapecan-I que eu testara em Blumenau (PP-ZQL), há anos atrás, quando ainda escrevia para a revista MOTOR-3: as mesmas linhas elegantes, a mesma asa de madeira (estrutura monolongarina com revestimento em contraplacado), a mesma fuselagem em tubos de aço soldado, carenada em fibra de vidro. Só que nessa segunda versão, o planador da IPE apresentava seu novo perfil de asa, desenvolvido pelo engo Francisco Galvão. Com esse aerofólio, de características bem superiores ao original (que era similar ao dos Quero-Quero monoplace), o Nhapecan-II ultrapassava a finesse (LID) de 30:1, encostando no Grob 6-103 “Twin Astir”.
Isso colocava a máquina criada por J.C.Boscardin à frente dos tradicionais treinadores Blanik importados, permitindo não só a instrução primária como vôos de alta performance, por um preço que não chega a 50 por cento daquele pago por um Grob G- 103 importado da Alemanha, considerado o melhor planador de instrução do mundo.
Um rápido briefing de cockpit com o Cap. Rui Lobo, que voaria comigo, deixou-me bem à vontade no posto dianteiro do ZBN. Pára-quedas, cinto de segurança (com arnés de ombro) tipo antigo (fixação por grampo único), olhos fechados para detalhes de acabamento. Pedais ajustados, “T” de desligamento muito à frente, no painel, ergonomia de comandos a ser melhorada (posição do manche pouco confortável, muito à frente, comando de compensador à direita, quando deveria estar à esquerda). Segundo Rui Lobo, muitos detalhes de cockpit deveriam ser alterados na produção seriada, para fins de homologação. E fundamental que ambos os postos de pilotagem satisfaçam padrões ergonômicos e funcionais básicos ligados à segurança, principalmente num planador de instrução!
O pessoal de apoio no solo empurrou o PP-ZBN para a pista, onde foi feito o cheque e engate-desengate do cabo de reboque, e o teste de alijamento do canopy (ponto a ser melhorado, quando em fabricação seriada).
Agora vem o melhor da história: nosso rebocador seria um Tucano T-27 de 750 HP! O cabo de reboque, de 5Om, terminava num “Y” assimétrico, cujas pontas ficavam presas aos suportes de armamento sob as asas do rebocador. Voaríamos a 135 km/h durante o reboque, com o T-27 no pré-estol o tempo todo! Uma experiência nova para mim, uma rotina para o pessoal do PEV ligado aos ensaios do Nhapecan-LI... Rui Lobo, durante nosso briefing, havia me prevenido sobre a dureza de comandos durante o reboque, sobre o momento crítico da decolagem (quando o Tucano rodava para alçar vôo), e sobre o posicionamento ideal atrás do rebocador deslocado para a direita a fim de evitar a esteira da hélice. Mesmo assim, minha adrenalina subiu a mil, enquanto via o cabo de reboque retesar. Mentalizei toda a seqüência para eventual aborto de decolagem (um velho hábito), rechequei posição do compensador (picado), o canopy travado, e fiz o sinal de polegar para cima: tudo 0K.
O vento era um pouco de través pela esquerda, variando em torno de cinco nós a temperatura era de 25°C, muita bruma esperada até uns 9 mil apesar da condição CAVOK em S.José dos Campos. Aí eu escutei o zumbido forte do T-27 (pilotado pelo Cap. Eitel), aumentando gradualmente a potência da PT-6. Largamos.
A aceleração incrivelmente rápida fez com que a resposta dos comandos fosse quase imediata: a 50 km/h, os ailerons já respondiam bem. Segurei a roda dianteira na pista por alguns segundos, e na passagem por 80 km/h tirei o Nhapecan do solo, muito antes do Tucano ameaçar a rodar. Desloquei o bicho para a direita, sentindo os comandos endurecerem muito rapidamente. Até que gostaria de ajustar melhor o compensador, mas não ousei largar o manche para trocar de mão (está aí uma inconveniência do compensador na direita!). Rui Lobo advertiu-me —“Cuidado, você está um pouco alto demais, pode baixar mais em relação ao Tucano”. O T-27 passou um pouco da VR no solo e rodou firme a 140 kmlh, levantando demais o nariz. Desacostumado com esse reboque tão musculoso, demorei a reagir com aumento do ângulo de subida, o que exigiu a pronta intervenção do Rui Lobo, cabrando o planador para valer: o Tucano já ia lá em cima! A partir desse momento as coisas ficaram mais fáceis, apesar do esforço exigido pelos ailerons. As correções de posicionamento, buscando manter o T-27 no horizonte (com ângulo de ataque muito elevado) e um pouco à esquerda, foram se tornando segunda natureza, pelo uso sutil dos pedais durante a subida em curvas de pequena inclinação. O variômetro indicava de 3 a 4 m/s, tudo parecia tranqüilo lá fora até que ultrapassamos o limite da bruma, a uns 2 mil metros, e começamos a escutar de vez em quando o ronco do segundo T-27 (avião-paquera), que procurava se posicionar para algumas fotos aéreas.
Desliguei bem alto, a 4500m conforme fora combinado com o Cap. Eitel. Foi então que comecei a sentir melhor o Nhapecan-II, flutuando sobre o vale do Paraiba, cercado pela imensidão de um céu azul, e atacado repetidamente por um Tucano camuflado, nosso paquera em missão fotográfica.
Seguem algumas observações tiradas de meu caderno de anotações, relativas ao comportamento em vôo do Nhapecan-II.
Estabilidade:
excelente em arfagem (pitching), com gradiente suave mas bem definido de força no manche. De 80 a 180 km/h, a estabilidade estática está acima de qualquer crítica. O comportamento dinâmico (manche livre) também é saudável, e quase não há alteração de “trim” com o posicionamento variável dos spoilers. Lateralmente, o Nhapecan-II também se mostra estável em qualquer velocidade, e sem tendência anormal ao fechamento de espiral. A estabilidade direcional mostra-se positiva até 160 km/h, porém com fraco gradiente de forças (versus deflexão) nas velocidades bem mais baixas. A correção de derrapagens intencionais (com pedais livres) é sempre pronta, com bom amortecimento.

Havia entretanto uma surpresa, preparada por Rui Lobo: numa picada a pouco mais de 170 km/h, praticamente na VNE da máquina, uma guinada imposta com vigor não mostrava o amortecimento esperado, permanecendo a oscilação (sem divergir, pelo que pude observar). Ao mesmo tempo, surgia uma leve oscilação em rolamento, caracterizando o típico “dutch roll”, com as pontas das asas descrevendo um movimento elíptico de pouca amplitude. Reduzindo-se a velocidade, o fenômeno desaparecia como que por encanto! Esse pequeno problema não chega a ser um inconveniente sério, desde que a VNE seja um pouco reduzida.

Os ailerons são eficientes mas um pouco pesados, acima dos 120 km/h. O comando de profundor, entretanto, é perfeito: leve, de boa progressividade, e autoridade suficiente mesmo a baixa velocidade. O leme de direção tem também boa autoridade, e garante glissadas tranqüilas com a ajuda dos ailerons facilmente “endireitados” com a liberação dos comandos. A guinada adversa, bem caracterizada apesar dos ailerons diferenciais, é didática (como convêm a um treinador) e facilmente compensada pelos pedais. Os spoilers (do tipo Schempp-Hirth) são de fácil manejo e de eficiência suficiente. As curvas de média e grande inclinação, negociadas a 80 km/h (velocidade em térmica), têm como única exigência a boa coordenação manche-pedal. O Nhapecan mostrou grande tolerância às manobras intencionalmente descoordenadas a baixa velocidade, o que vem a ser excelente atributo para um planador de instrução.
O compensador do profundor (“trimtab”, tipo Flettner) provou ser eficiente, porém tem atuação direta demais (para o meu gosto). E seu comando fica à direita, ao contrário do Nhapecan-I. Acho mandatário o reposicionamento para a esquerda.

Perto dos 70 km/h, com spoilers recolhidos, o estol acontece com suavidade mas sem pré-aviso (por “buffeting”). O piloto sente o planador escorregar da mão, mas a recuperação é imediata (a sensibilidade do manche pode induzir a um estol secundário). O aviso de “buffeting”, presente no Grob G- 103 e mesmo no Nhapecan-I, simplesmente inexiste no Nhapecan-II! Isso pode surpreender um aluno inexperiente, voando a baixa velocidade numa térmica. Concordo com a recomendação do PEV: uma buzininha de estol é mandatória! (Nota: esse dispositivo já está sendo incorporado ao PP-ZBN, para fins de homologação).

Com meus quase 90 kg no banco da frente, ficou difícil avaliar a condição mais crítica de parafuso, com C.G. recuado. Mesmo assim, realizamos parafusos de 1,5 a 2 voltas, sempre com recuperação fácil pelo método tradicional: manche à frente e pedal contrário. Algum excesso de velocidade na saída pode ser controlado facilmente pelo uso dos spoilers. Nota: mais tarde, assisti a um VT dos ensaios com CG recuado, quando ficou evidente um “pitch-up” (achatamento do parafuso) na primeira volta, seguido de retorno à atitude normal (nariz bem baixo). Um comportamento estranho, que levou o CTA à exigência do lastro removível sob o banco dianteiro (para limitar o recuo do CG), e a proibição de parafusos intencionais.

Não foi possível avaliar com precisão o desempenho do Nhapecan-II. Com 90 km/h, entretanto, devíamos estar voando na finesse máxima ou bem perto dela, o variômetro mostrando cerca de 0,9 m/s. Seriam necessários vários vôos, com um Nhapecan-II mais “limpo” e dotado de instrumentos bem calibrados, para levantar a polar do planador e compará-la com aquela de seu antecessor, o Nhapecan-I. Só assim poderíamos avaliar o ganho devido à asa com “perfil Galvão”.
A velocidade de afundamento mínimo parece-me estar em torno de 80 km/h (com dois a bordo), com o variômetro segurando 0,8 m/s. Infelizmente, não foi possível avaliar o comportamento do Nhapecan-II nas térmícas (ausentes, durante nosso teste).

Na aproximação, tive excelente oportunidade de avaliar a eficiência dos spoilers, cuja atuação bem dosada garante a precisão do pouso. Mantendo 100 km/h no circuito, reduzi nossa velocidade para 80 km/h na final, já cruzando a cabeceira. O controle do afundamento pelos spoilers foi tranqüilo, e o toque da roda principal com a pista de concreto aconteceu em torno de 60 km/h, depois de voar nivelado a poucos centímetros da pista, sob efeito de solo. Todo spoiler para fora, um pouco de freio mecânico (atuando sobre a roda principal) aplicado pela alavanca tipo freio de bicicleta, situada no manche, e completamos o pouso’ sem problema.

O Nhapecan-II demonstrou ser um planador seguro e fácil de voar, extremamente tolerante e estável. E também robusto e de manutenção simples, e seus pequenos defeitos (ergonomia de comandos, detalhes de cockpit e falta de aviso de estol) são facilmente corrigíveis na produção seriada. Bem “limpo” e nas mãos de um piloto bem treinado, deve permitir um desempenho nada desprezível quando comparado com máquinas importadas de média performance, com L/D de 35:1.
A obtenção do CHT abrirá portas de muitos mercados de exportação (Estados Unidos, América Latina e Europa), tendo em vista o preço mais que competitivo e as boas características de vôo. Valeu o esforço do CTA, cujo trabalho profissionalíssimo na condução do processo de homologação garantirá o reconhecimento do CHT fora do Brasil. Valeu a persistência da IPE, na pessoa de seu Diretor Presidente, eng9 J.C. Boscardin, que acreditou no projeto até o fim, enfrentando os mais sérios obstáculos e problemas financeiros sem desanimar, até ter o seu Nhapecan-II pronto para a fabricação seriada, com o CHT praticamente na mão.
Assim, dá para acreditar no futuro do vôo à vela no Brasil: teremos brevemente o reequipamento de clubes com planadores de instrução Nhapecan-II. Nota Em paralelo, busca-se resolver o problema da falta de aviões rebocadores. Soluções à vista: importação de rebocadores “Aero Boero” da Argentina, conversão de P-56 para 150 HP e conversão de T-23 Uirapuru para o trabalho de reboque. O CEV -CTA provou que mesmo essa última hipótese é perfeitamente viável.