A homologação do Nhapecan
Revista Aviação Desportiva 1986

 

 

Para a maioria dos leigos, o planador traz imagens de uma época já superada da aviação, ou de um tipo de desporto acessível apenas às pessoas de recursos.
Nada mais falso. Se os ensaios com planadores remontam aos primórdios da Aeronáutica, tal tipo de aeronave tem acompanhado em seu desenvolvimento outros modelos de aeronaves propulsadas a hélice, turbojato ou foguete. E hoje sua importância é tão grande que países como Estados Unidos, França, Inglaterra e União Soviética exigem de seus futuros pilotos de caças supersônicos o treinamento periódico em aeronaves sem motor, consideradas como as mais eficientes para desenvolver no aviador o verdadeiro sentido da pilotagem.
No Brasil existe uma atividade bastante intensa no setor de vôo à vela, com uma frota total de 245 plantadores, sendo 175 do DAC, distribuídos a clubes civis da Volovelismo, a particulares e clube de vôo à vela da Academia da Força Aérea.
Pilotos brasileiros de planadores participam regularmente de competições internacionais e em diversas ocasiões obtiveram excelentes qualificações, competindo com aviadores estrangeiros de larga experiência.
Mas, embora muitos planadores tenham sido já projetados e construídos no Brasil, na sua maioria por amadores, só existe atualmente uma empresa fabricando em série veleiros aéreos no Brasil, à exceção da Aeromot: a Indústria Paranaense de Estruturas — IPE, sediada em Curitiba (Paraná).

 


A IPE começou suas atividades há cerca de vinte anos, recuperado aviões leves e planadores acidentados e depois aperfeiçoando um planador monoplace, o “Quero-Quero”, hoje amplamente utilizado em nossos clubes de vôo à vela.
Mais recentemente, a empresa desenvolveu e construiu, com o total apoio do Ministério da Aeronáutica, através do CTA e DAC, o planador biplace IPE 02, batizado “Nhapecan” para lembrar uma ágil ave do sul do Brasil.
o “Nhapecan”, do qual já se informou o Ministério da Aeronáutica pretende comprar 70 unidades para equipar as escolas brasileiras de vôo à vela, encontra-se em fase final de homologação no CTA.
Após a conclusão com sucesso dos ensaios estáticos no PAR, aproximam-se da conclusão os ensaios em vôo no recém-criado IEV.Restavam ser executados os ensaios de parafuso e adicionais de flutter. Estes últimos, para permitir retirar os lastros dos comandos, exigidos como pré-requisito de segurança.

O Nhapecan visto por especialista

Como o Ministério da Aeronáutica irá equipar aeroclubes com o biplace da IPE, achamos oportuno mostrar para o público leitor de Aviação Desportiva, as impressões sobre o aparelho, feitas pelo Engenheiro Aeronáutico Francisco Leme Galvão, que além de autoridade reconhecida internacionalmente no campo da aerodinâmica é experiente piloto e instrutor de vôo à vela.
Entre seus trabalhos publicados no exterior destacam-se “Fuselagens de Baixo Arrasto” e “Método Simplificado para desenho de Aerofólios”, este último serviu de base para o projeto aerodinâmico da asa do Nhapecan II.
Portanto, vejamos as avaliações sobre o planador IPE — Nhapecan 1 PE 02, no solo e em vôo, realizadas na Base Aérea de Bacacheri, em Curitiba, em dezembro de 1984.
Inspeção no solo: O Nhapecan se caracteriza, como também os planadores”Quero-Quero” da IPE, pela facilidade de movimentação no solo facilitada pelos rodízios de ponta de asa e pelo seu baixo peso vazio para um planador biplace.
Uma verificação travando-se manualmente os ailerons e o profundor em suas deflexões máximas e aplicando-se no manche um esforço estimado em 7 kg, revelou ser pequena a elasticidade destes comandos.
Exítando-se manualmente a ponta de asa pode-se cronometrar uma freqüência para o primeiro modo de vibração da ordem de 140 hertz, o que é bastante alto para um planador deste porte.
Jd a rigidez do cone de cauda em torção combinada com a da fixação da empenagem horizontal é baixa podendo-se, sem muito esforço, defletir a ponta do estabilizador de 5 cm, para cima e para baixo.
O número de janelas de inspeção é pequeno e deveria ser aumentado para permitir a inspeção de mais pontos do sistema de comando.
Primeiro vôo: Após alguns ajustes no mecanismo de regulagem dos pedais, instalei-me com um pára-quedas às costas no assento dianteiro, numa posição semi-inclinada que me pareceu excelente, dando a sensação de se estar em um alto rendimento monoplace de fibra de vidro.
Com os cintos do ombro e barriga apertados, o cheque dos comandos e painel de instrumentos equipados com o mínimo de vôo e semelhante ao do Quero-Quero, não apresentou qualquer problema ergonômico. Pessoalmente eu daria preferência por um comando de compensador à esquerda para permitir o ajuste em vôo sem troca de mão.
Como manter a tradição dos Neivas-B e dos Blaníks, a cabine exige uma ligeira ajuda do exterior para fechar. No assento traseiro esta o Eng. João C. Boscardin, dono da IPE e o “maestro” da execução e projeto do Nhapecan.
Com forte vento de noventa graus pela direita (estimo em 15 nós), executo uma decolagem como as que se encontram nos manuais de instrução para estas condições, com o Nhapecan obedecendo corretamente nas três fases da mesma. Perfeito.
Durante o reboque verifico que o controle é pronto e harmonioso nos três eixos, embora a força no manche para o rolamento seja um pouco mais elevada que no Blanik e sendo um pouco mais pesada à esquerda do que a direita.
Coloco o planador em condições anormais acima, a esquerda e direita, e finalmente abaixo da trajetória do avião, dentro da esteira, e o controle e retorno à posição normal é feito sem problemas. A subida é lenta, pois o rebocador está com hélice de passo e diâmetro inadequados ao reboque, como já havia verificado no dia anterior no Clube Thalia onde fora rebocado pelo mesmo avião.
As térmicas estão excelentes e desligo a 600 m “engrenando” rapidamente uma de 2 m/s girando à esquerda a 90 km/h indicados, O Nhapecan se revela excelente para o vôo térmico com uma estabilidade espiral neutra, permanecendo sozinho no centro da térmica, mesmo com os comandos livres! A 800 m inverto o sentido girando pela direita e sem outro problema que o de centrar novamente a térmica que embora forte é estreita.
A 1.000 m nivelo e estabilizo, e após um cheque de área, reduzo lentamente a velocidade. O Nhapecan é perfeitamente controlável até 72 km/h indicados, quando então se inicia a perda.
Com uma redução mais rápida de velocidade, faço uma perda mais pronunciada sem que haja tendências de cair para os lados.
Com os freios aerodinâmicos abertos o comportamento é semelhante, sem necessidade de atuação do compensador e perda ocorrendo no entanto a 78 km/h indicados.
Faço uma verificação da guinada adversa e do rolamento induzido verificando serem ambos pequenos e no sentido correto.
Acelero até o final do arco verde pintado no velocímetro (120 km/h) em direção à próxima nuvem. A penetração me parece ser bem superior à do Quero-Quero. Nova térmica e retornamos a 1.000 m. Fico tentado a fazer acrobacias e comandar um parafuso, mas a prudência aconselha aguardar os ensaios estruturais que o PAR no CTA vai em breve executar. Como temos que efetuar um segundo vôo, desço de freios abertos girando em descendente a 100 km/h.
O vento continua forte e de través, assim mantenho esta velocidade na aproximação com os freios parcial-mente abertos.
No instante do toque, Boscardin intervém atrás, arredondando antes do que eu o faria. O pouso é suave e o controle até o final da corrida é completo.
Segundo vôo: Tenho uma certa dificuldade em entrar na cabine com o pára-quedas nas costas e registro mentalmente que teria a mesma para sair no caso de uma emergência.
No banco da frente instala-se agora o João C. Boscardin Filho, o “mini” que de “mini” na da tem, masque graças a posição semi-inclinada permite que eu tenha uma total visão do painel de instrumentos sobre os seus ombros, com uma ligeira inclinação de minha cabeça.
Cintos amarrados, verifico que atrás a posição é menos confortável mas nada devendo a que se tem em um Blanik. O curso dos pedais traseiros, no entanto, é pequeno e inferior aos dos dianteiros.
Faço a decolagem e o reboque como no primeiro vôo e desligo a 500 m numa térmica mais fraca. Aí começam os problemas, pois parece que estou em outro planador e tenho grandes dificuldades em centrar a térmica e de manter a velocidade do planador que mais de uma vez inicia
uma perda.
Após muita luta, ganho 200 m e passo os comandos ao “Mini” que sem problemas continua a subida.
Percebo então que minha dificuldade se deve ao longo nariz transparente e sem referências com o painel e o aluno em posições mais baixas do que a que me habituei em quase um milhar de horas de vôo de instrução em Blaníks e em Neivas-B, e que me levavam a puxar instintivamente o manche sempre que desviava a vista do horizonte para o painel a procura do variômetro.
Vou precisar de mais vôos no banco traseiro do Nhapecan para poder subir corretamente em térmicas. Talvez a colocação de marcas de referência no “plexi” transparente possa ajudar.
Continuamos o vôo por mais uma
meia hora e em direção a serra para ver o mar. Na volta, já sobre a cidade, um acidente: ao ajustar a janela lateral que se soltara, ela se desprende e... cai sobre a cidade!
Deixo o “Mini” fazer o tráfego e pousar na esperança de minha posição de instrutor, corrigir alguma coisa, mas como já mencionei, ele de mini não tinha nada e pude apenas apreciar um belo pouso de precisão do centro da pista para a cabaceira”.
E isto aí. De resto é parabenizar o M. Aer. pelo apoio dado a IPE e ao projeto Nhapecan, propiciando, assim, o pleno desenvolvimento de um anseio aerodesportivo.
Aviação Desportiva, congratula-se com a IPE, desejando-lhe sucesso continuado em suas realizações.